quinta-feira, 9 de agosto de 2007

O JUDICIÁRIO E A MÍDIA - Reflexões sobre uma relação muito complicada.



Por Franklin Martins

Judiciário e Imprensa têm, geralmente, posturas e posicionamentos diversos, ambos com tempos muito peculiares. (Entenda-se por tempos o ritmo estabelecido por especialistas em legislação e profissionais de imprensa ao lidar com matérias sob apreciação da Justiça.) Enquanto o noticiário requer rapidez e atualidade, juízes apreciam processos cujos trâmites podem levar meses ou anos.
O Judiciário tem conduta formal e criteriosa em relação às leis, o que demanda mais tempo e maior minuciosidade. Juízes, procuradores, desembargadores e advogados trabalham com elementos, provas, indícios, enfim, material de investigação. Obedecem a trâmites judiciais preestabelecidos, mecanismos necessários para a aplicação adequada da lei. Ou seja, necessitam de tempo suficiente para que um processo seja cuidadosamente analisado (depois de esgotados todos os recursos de apuração), arquivado ou sentenciado.
Alguns fatores podem fazer com que a celeridade dos trabalhos seja comprometida: a) insuficiência ou escassez de materiais; b) quantidade de processos em detrimento de número insuficiente de juízes; c) excesso de formalidades e trâmites legais etc.
Já a Mídia tem uma relação muito peculiar com a Justiça. Como se sabe, a essência da atividade dos veículos de comunicação é o noticiário dos acontecimentos. Esse deve ser praticado observando-se sempre as determinações constitucionais do dever-direito à informação irrestrita, aos limites éticos de imparcialidade, correção e responsabilidade.
A Mídia deve discernir com extrema sensatez a barreira que separa o interesse individual e o interesse coletivo. Nesse sentido, o jornalismo se vale de toda uma técnica de apuração, de redação e de edição de textos para que os assuntos cheguem com a clareza necessária ao leitor, telespectador ou internauta.
Há, no entanto, muitos ruídos de comunicação entre o Judiciário, a Mídia e, conseqüentemente, com a sociedade. Uma questão extremamente importante é o imediatismo dos meios de comunicação.
A notícia precisa chegar ao leitor o mais rapidamente possível.
Repórteres e editores trabalham com a premência do tempo escasso, submetidos a deadlines (tempo estabelecido para o fechamento de uma reportagem) cada vez mais estreitos.
Nessa pressa, a apuração e a redação das matérias e reportagens podem sofrer interferências, fazendo com que os jornais incorram em erros que comprometam a excelência do material jornalístico. Quando o veículo de comunicação é on-line, o tempo é ainda mais reduzido e determinante, o que aumenta ainda mais a possibilidade de erros.
São erros diversos. Mas um dos mais comuns se refere às questõesjudiciais. Muitos jornalistas, induzidos ao erro pela falta de tempo ou de conhecimento em relação aos procedimentos e à linguagem jurídica, não raro interpretam sentenças, liminares e outros atos judiciais de forma incorreta. As características de apuração da Mídia, com dicionadas não só a questões de tempo, mas também a fatores como pouco espaço, dificultam a clareza dos textos e implicam incorreções no uso da linguagem de assuntos de conteúdo técnico.
Muito comuns são os processos movidos contra a Imprensa pela publicação de matérias inadequadamente redigidas sobre atos ou procedimentos judiciais. Por vezes, os erros veiculados podem comprometer uma das partes envolvidas em processos, atrapalhar o
andamento de investigações e, mais grave, fazer com que a opinião pública se volte injustamente contra pessoas, empresas, órgãos etc.
Essas ocorrências atualmente vêm sendo tema de inúmeros seminários e eventos congêneres. Têm até suscitado providências como a destinação de cursos de linguagem jurídica para jornalistas e a contratação de consultores jurídicos por parte dos grandes meios de comunicação. A intenção expressa é melhor orientar os repórteres
e editores na preparação de suas matérias e reportagens. O objetivo, muito bem-vindo, é levar ao leitor/telespectador/ouvinte/internauta questões diariamente abordadas nos tribunais com a máxima clareza e correção possíveis.
Mídia e Judiciário têm funções essenciais na manutenção e na defesa da democracia. Não há como conceber um regime democráticosem Imprensa livre e sem um Poder Judiciário soberano e independente.
Apesar disso, dessa constante parceria entre esses dois importantíssimos setores da sociedade, não é raro a ocorrência de desencontros e de eventuais atritos entre as partes.
Por um lado, o Judiciário distancia-se do público pela postura excessivamente formal, pela produção de material eventualmente incompreensível para o cidadão comum, por sentenças com linguagem e vocabulário complicados, por exemplo, e pela estrutura insuficiente de prestação de informações básicas. Por outro, a Imprensa continua a revelar patente desconhecimento jurídico por parte de jornalistas
designados para a cobertura de tais assuntos.
É consenso entre os profissionais envolvidos com a questão Mídia x Judiciário que a notícia quente, que merece manchete e desperta o interesse das pessoas, é aquela que provoca, insulta, gera escândalo, alfineta. Outro ponto consensual: os conflitos na cobertura de assuntos judiciais geralmente surgem a partir de um artigo definido
na Constituição: o direito à livre informação e à privacidade.
Eis o impasse: como reportar um fato na íntegra se, para fazêlo sem restrições, a intimidade de alguém terá de ser violada? Como cumprir um preceito constitucional em detrimento de outro? Qual dos dois deve prevalecer? Deduz-se que tanto a Mídia quanto o Poder Judiciário devem se reciclar e buscar fórmulas que deixem claros limites e liberdades, em que ambas as partes, além de se ajudarem mutuamente,
realizem parcerias quando houver convergência de interesses.
Outro ponto delicado são as determinações judiciais de cerceamento da informação em relação a assuntos de interesse público, que muitos preferem chamar de censura – um atentado à democracia que o País não mais aceita. Também os meios de comunicação não
podem abusar de sua prerrogativa informativa para atuar de maneira invasiva, irresponsável ou antiética, de forma a ameaçar os direitos individuais ou coletivos assegurados constitucionalmente – como o direito à privacidade e à defesa em juízo.

Trecho do "Livro O Judiciário ao Alcance de Todos".

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