segunda-feira, 23 de junho de 2008

Reflexões Sobre o Domingão Do Falastrão

Por Alberto Moby*

Como acontece em um número bastante grande de casas brasileiras, sempre que ligo minha televisão ela está sintonizada na Globo. É o que os especialistas chamam de “audiência inercial”: por uma série de fatores culturais e psicológicos, quando desligamos nossos aparelhos de TV acabamos escolhendo deixá-los “descansarem” sintonizados naquele canal do qual estamos mais acostumados a ouvir falar – mesmo que mal. No caso brasileiro, esse canal é, sem dúvida, um canal da Rede Globo. E não poderia ser diferente: é a rede de televisão que mais capital investe em tecnologia, na contratação e/ou fabricação de superstars folhetinescos, na ramificação de canais próprios ou no estabelecimento dos mais variados tipos de parcerias com redes regionais ou canais locais, com pouco poder de fogo.
Não sei o que você pensa sobre a Rede Globo e não é meu objetivo aqui, numa simples mensagem de domingo à noite, discutir sua programação, o bem ou o mal que faz à sociedade brasileira etc. Mas, pelo fato de a Globo ser o “nosso” canal inercial, torna-se meio que inevitável conhecermos mais “intimamente” essa programação, já que sempre que a gente liga a TV lá está um programa “global”. E, é preciso admitir, a qualidade técnica e o “padrão Globo de qualidade” são altamente sedutores, de forma que nem sempre é fácil a gente mudar de canal, mesmo quando o que aparece na telinha ofende aos nossos olhos e/ou ouvidos. Além do mais, é preciso reconhecer também que a concorrência – principalmente se estivermos falando de TV aberta – em geral é muito pouco ameaçadora.
Pois é. Hoje, pela enésima vez nesses últimos 20 anos, me peguei assistindo a um trecho do Domingão do Faustão. O entrevistado era o cinegrafista, mergulhador e Lawrence Wahba. Bastante respeitado no meio, Wahba já há algum tempo percorre o planeta em busca de curiosidades quase sempre ligadas ao mundo animal para apresentar no Domingão. Seja lá qual for a sua opinião pessoal sobre esse tipo de material, não se pode acusar as aventuras de Wahba de desinteressantes. Elas têm uma série de componentes vistos hoje em dia como politicamente, culturalmente e ecologicamente corretos, além de sugerir uma saudável associação entre esses três elementos e a atividade esportiva. No entanto, o apresentador Fausto Silva parecia estar entrevistando um humorista, de quem esperava boas piadas sobre o monastério tailandês onde os monges criam 22 tigres, assunto deste domingo. Ou, o que é pior, parecia estar deliberadamente montando armadilhas verbais com o objetivo de fazer Wahba cair em contradição, se distrair e trocar palavras que pudessem conferir um novo sentido – jocoso, diga-se – às suas frases e outras imbecilidades do tipo. A tudo Lawrence Wahba respondia com uma paciência de Jô, de me dar inveja, ao mesmo tempo em que me fazia pensar como deve ser gorda a bolada que recebe por cada vez que aparece no Domingão, o que, provavelmente, seria a explicação de por que Wahba agüentou tanta grosseria.
É público e notório que Faustão é falastrão e mal educado. Toda pessoa de mínimo bom senso que já assistiu a pelos menos uns 10 minutos do Domingão nesses vinte anos sabe que é característica do apresentador ser falastrão. Isso acompanhado de uma boa dose de má educação. Não tem o menor pudor, por exemplo, de interromper o entrevistado no meio de uma resposta. Ou de ele mesmo responder à pergunta que fez, induzindo o entrevistado a seguir sua linha de raciocínio ou forçando-o a, por educação ou desconforto, concordar com ele, ainda que timidamente, ao que Faustão, imediata e velhacamente, toma de volta a palavra para complementar aquilo que havia dito antes em nome do entrevistado. Também é público e notório que não tem a menor vergonha de, ao tomar a palavra do entrevistado, passar longos e preciosos minutos discorrendo sobre o assunto para o qual o entrevistado que ele interrompeu fora convidado a falar. Isso ocorre sistematicamente, independentemente de quem é o entrevistado – cantor, ator, personalidade dos mass media, desportista, o escambau. É também público e notório o seu senso de humor duvidoso e acintoso, que interrompe as falas mais sérias para enxertar as piadas mais descabidas, sem-sal e desrespeitosas. Ou não?
Na entrevista Lawrence Wahba explicava que os monges, para manter os filhotes de tigre dóceis, sopram nas narinas dos animaizinhos, reproduzindo, segundo eles, o mesmo gesto da mamãe tigre para acalmá-los. Faustão, sem a menor cerimônia, interrompe o relato de Wahba para tecer “sérias” e “fundamentais” considerações sobre o que aconteceria se um desses monges, ao soprar nas narinas de um filhote de tigre tivesse ingerido alguma bebida alcoólica. Wahba, sem graça, responde que certamente isso não aconteceria porque os monges não ingerem bebidas alcoólicas. Faustão, insistindo nesse novo e importante rumo, diz que isso é besteira, que, sim, monges também bebem, que ele sabe disso por já ter sido coroinha e convivido com padres que “manguaçavam bem”, gastando longos e preciosos (para a lógica dos mass media) 25 segundos nessa descortês baboseira.
Hoje, depois do pequeno circo de horrores que foi a entrevista de Lawrence Wahba, me pequei pensando. Por que é que um programa com um apresentador tão falastrão e tão mal educado permanece há vinte anos no ar, num dia e horário nobres e, ao que tudo indica, como campeão de audiência? Que conseqüências, lições, exemplos, resíduos (ou seja lá que nomes se deva dar) um programa e um apresentador como esse levam para as casas de milhões de brasileiros? Quem assiste gosta dele ou se acostumou a ele? Se gosta, o que isso nos diz sobre o senso de respeito ao outro e sobre o que deve ou não ser levado a sério no Brasil? Se não gosta, por que continua assistindo? Por outro lado, que estranha relação de cumplicidade existe entre uma rede de televisão que em nome do lucro enche a tarde de domingo de falta de educação e de desrespeito e o público telespectador, que, afinal de contas, é justamente o mais desrespeitado? E quanto ao Estado? Afinal, um canal de televisão é uma concessão do Estado a uma empresa privada cujo compromisso, em nome do muito dinheiro que ganha é contribuir para ajudar a construir um país melhor, um povo melhor. Não estou falando de censura, mas de uma discussão com a sociedade sobre o que deve ser considerado aceitável ou não aceitável nos meios de comunicação. É cômodo dizer que quem não estiver satisfeito pode mudar de canal ou desligar sua TV. Não é disso que se trata porque tenho minhas dúvidas sobre o grau de discernimento das pessoas para que sejam capazes de, conscientemente, fazerem essas escolhas. Tampouco quero dizer que as pessoas comuns sejam burras ou sofram de algum tipo de idiotia crônica, mas que, não tendo a oportunidade (por falta de incentivo) de discutir criticamente o que lhes é posto à disposição, como podem ter discernimento suficiente para mudar de canal. Aliás, que diferença substancial isso faria na televisão brasileira de hoje?
Muitas perguntas, né? Aliás, será que alguma delas tem alguma importância real? Será que isso faz alguma diferença significativa no Brasil de hoje? Meu consolo é ter aprendido com o grego Sócrates que mais importantes que as respostas são as perguntas. Como ele, só sei que nada sei e por isso pergunto. As respostas – sempre provisórias – geram outras perguntas. É disso que eu me alimento. Enquanto isso, vou seguindo (in)satisfeito, desafinando o coro dos contentes, como diria Jards Macalé.

Alberto Moby Ribeiro da Silva é historiador, professor e autor do livro "Sinal Fechado: a música popular sob censura (1937-45/1968-78)" Ed. Apicuri.

Um comentário:

  1. Muito legal esse texto do Alberto Moby, sempre fui muito crítico a respeito da programação da TV, principalmente no fins de semana. Bestificação do povo, acho que é isso que a Globo faz com seu poder de "audiência inercial". Não só a Globo, como o SBT com GUGU e a BAND com suas porcarias....rsrsrsrss
    O que nos resta é alugar bons filmes, para não ficarmos alienados com as programações da TV aberta ou fechada no final de semana. Ou melhor, reuna a família ou os amigos e vá praticar alguma atividade física, ouvir música (da boa) ou outra atividade mais saudável. Abração Sânio!!!!!

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Agradeço o interesse e espero mesmo por sua impressão.
Obrigado.

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