sábado, 4 de outubro de 2008

VIVA A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ!



Da tese da divergência pluralista à prática da política de conchavos.
Por Sânio Eduardo Fontes de Aquino.
Imagem: Danton Dantas.

Pesquisa da ONG TRANSPARÊNCIA BRASIL, sobre a produção legislativa de alguns Municípios do país revela que 93% dos projetos propostos pelos Vereadores, das cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, são inúteis. De acordo com o estudo, quase todos os projetos de lei ou são irrelevantes ou, quando não o são, têm sua inconstitucionalidade decretada pelos respectivos Tribunais de Justiça. A maioria esmagadora dos projetos apresentados e aprovados pelos vereadores é para homenagear pessoas, quase sempre de suas bases eleitorais.

Afeta à autonomia dos Municípios, prevista na aniversariante Constituição Federal, as funções dos vereadores são, além de legislativa, fiscalizatória dos atos do Poder Executivo, que – por sua vez – também detém uma parcela de autonomia na produção de leis. Cabe aos vereadores fiscalizar as atuações do prefeito, mas como efetivar a função fiscalizatória em casas compostas por maioria da base aliada do Executivo?


Entre as inúmeras competências do Prefeito, a de propor atos normativos, ou é exercida em medida e número excessivo, ou o são em favor de qualquer interesse, exceto o público. Eis o quadro do exercício de poder nos milhares de Municípios brasileiros: uma recorrente prática de políticas privadas.

Mais que um exemplo, um caso concreto acontecido no Município do Rio de Janeiro: recentemente foi instituída na Câmara local, uma CPI para apurar os gastos na construção de um conjunto arquitetônico intitulado Cidade da Música. O orçamento inicial previa gastos da ordem de 65 milhões de reais e, ainda distante da fase de acabamento da obra, sua despesa já montava 500 milhões. O Vereador empossado no cargo de presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito – do mesmo partido do Prefeito –, disse, já na primeira sessão, que o trabalho de apuração seria realizado, mas que ele adiantava a todos a informação de que tinha certeza de não haver nenhuma irregularidade na obra.

A Federação brasileira é composta, também, por mais de 5 mil Municípios, para os quais a Constituição fixa um mínimo de 9 e um máximo de 55 Vereadores. A maior parte é de cidades pequenas, e, por isso, para tomar como exemplo, pode-se se ater aos 9 Vereadores para um número, também hipotético, de 5 mil cidades. Assim ficaria fácil dizer que as Eleições de 2008 darão cargo de Vereador a (muito!) mais de 49 mil pessoas no próximo ano. Seguindo o raciocínio exposto acima, pode-se também concluir que muitos desses milhares de Vereadores serão os novos ou renovados “amigos dos Prefeitos”.

Trata-se de um elo, no mínimo, antidemocrático, pois nesse tipo de política não se visualiza a tão importante, constitucional e rica pluralidade de idéias, mas fica clara a “ditadura do sim”, permissiva de omissões intencionais. Esta política de conchavos é a mesma que há anos se prolifera, por nossas cidades. Tem sido lucrativo não propor ou engavetar projetos que obriguem o Executivo a construir escolas (por exemplo!) e, ao contrário, implantar “centros sociais” dos senhores vereadores. "Centros" (ou instituições que o valham) que são subvencionados por ninguém menos que o governo. "Centros" que servem – de forma eficiente – como currais eleitorais àqueles politicozinhos que coagem toda uma comunidade a digitar seu número na urna, sob pena de não haver continuidade no projeto que ele próprio impediu fosse o Estado o mantenedor, direta e oficialmente.

No cartão de aniversário, endereçado à aniversariante Carta Cidadã de 1988, caberia consignar: o país precisa de políticos que representem o povo, não de politiqueiros que se colocam em posição de intermediadores da concessão de direitos do povo.
Em tempo:

Alguns políticos cometem os crimes para chegarem às maiores alturas, só para
cometerem as maiores baixezas.

(Carlos Ayres Britto - Ministro Presidente do TSE, em entrevista à Globo News - 04 Out 2008).


Sugestões de pesquisas ao caro leitor:

> Um trabalho sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal e as regras de final e de início de mandato, produzido por Edson Ronaldo do Nascimento.

> Portal da Transparência – link para uma cartilha que ensina a fiscalizar os governos.

> O Combate à Corrupção Nas Prefeituras do Brasil: um trabalho exemplar dos munícipes de Ribeirão Preto. A maior e mais eficiente pressão popular já organizada resultou na renúncia do Prefeito, que hoje responde a vários processos judiciais.

3 comentários:

  1. Sou fã do Ayres Britto e sua, tb! Qto à nossa constituição..., bom, na minha leiga opinião, o q mata é q ela quer ser detalhada demais!! Boa é a constituição americana, de princípios(poucos). Na dúvida, julga-se. Me parece mais adequado.

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  2. Edu, parabéns pelo seu suado trabalho. Sobre a Carta Magna: sempre existirá tempo para mudanças, muito se avançou na sua regulamentação, contudo muito ainda há que se realizar. Acredito que os mecanismos constitucionais devem ser aperfeiçoados e não oprimidos. Que a nova face jovem abra os olhos para o grande legado deixado por nossos antecessores constituintes. Abraço.

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  3. De fato, Edu, os vereadores eleitos no último pleito encontram-se aquém do que se espera dos legisladores almejados pela Constituição Cidadã, numa análise nacional.
    Cheguei a lembrar agora de um artigo publicado na Revista Época, neste ano, no qual o autor, cujo nome infelizmente não me recordo, se posiciona nesse mesmo sentido, porém sob um outro olhar. Segundo ele, aos vereadores não é dada a atenção merecida, inclusive pela imprensa, em contraponto com a imensa responsabilidade que detêm. Essa falta de atenção aos vereadores é notada desde a campanha eleitoral: nela, a atenção encontra-se amplamente voltada aos candidatos da chamada "majoritária", ao passo que os vereadores são meros "coadjuvantes" do processo eleitoral. Daí, terminada a eleição, temos, por diversas vezes, vereadores eleitos que não foram bem avaliados pela população, no que diz respeito às suas propostas e intenções, muitos dos quais são levados a firmar "acordos", alguns destes longe do interesse público.
    Mas é possível observar um horizonte de mudanças de comportamento do eleitorado, fruto de um amadurecimento desse complexo processo chamado Democracia.
    Parabéns pelos artigos, Edu!!
    Continue perseverando nas relevantes discussões postadas no Blog.
    Abraços!

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Agradeço o interesse e espero mesmo por sua impressão.
Obrigado.

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